Há algum tempo atrás, em outra coluna neste espaço, citei o conceito de Rousseau para a formação do Estado, através de um Contrato Social, em que os membros do país renunciam a parte de suas liberdades naturais para a criação de um sujeito maior, o Estado, que regule as relações e proteja igualmente as pessoas.
Segundo esse conceito, nós renunciamos, por exemplo, ao direito prevalente na pré-história de pegarmos tudo aquilo que nos interessasse, sem perguntar se a alguém pertencia, em favor de um Estado que nos proíbe de tal prática, mas protege o patrimônio privado angariado através de nosso trabalho da cobiça alheia. Assim, ninguém pode pegar aquilo que pertence à outra pessoa, pois se reconhece a propriedade desta.
Outra renúncia importante na formação do Estado, é a do direito de cada membro da sociedade fazer justiça pelas próprias mãos. Transferimos ao sujeito maior o direito de criar leis, executá-las e, na hipótese de outra pessoa desrespeitar um direito próprio, aplicar a lei especificamente àquela pessoa.
Ocorre que, recentemente um forte movimento de oposição ao conceito de Estado vem surgindo em nossa sociedade, em especial por pessoas que em tese apregoam o respeito às leis, mas que, na realidade, e sem se dar conta, estão defendendo o retorno a uma sociedade pré-organizada ou mesmo a adoção de um regime anárquico.
Tal fato se percebe atualmente especialmente no que concerne ao porte de arma de fogo. Sob o argumento de garantir o direito de defesa aos cidadãos, muitas pessoas têm pleiteado e manifestado apoio ao projeto de lei que reforma o Estatuto do Desarmamento. Não se pretende questionar o sagrado direito de defesa contra agressão injusta, legalmente garantido sob o manto da Legítima Defesa.
Ocorre que, o que as pessoas não se dão conta é que, ao pleitear o direito a andarem armadas, o que se está defendendo é a volta do período bárbaro, em que a quem se sentisse ofendido, por qualquer meio, era legítimo executar por suas próprias mãos o agressor.
Se hoje o Brasil já apresenta números alarmantes relacionados a mortes por armas de fogo, maiores até do que países em guerra, se o nosso trânsito já é famoso por matar em acidentes, com o livre porte de armas, teremos uma verdadeira explosão do conflito urbano, em que uma fechada ou uma batida de trânsito será julgada pela lei dos envolvidos, aplicando-se a pena capital em muitas das vezes.
Isso sem falar na grande possibilidade de passarmos a experimentar, com maior frequência, situações como as tragédias comuns em escolas e universidades norte americanas, em que inocentes são friamente fuzilados por pessoas que carregam algum tipo de dor ou mágoa passada. Vale lembrar que os EUA, país em que o porte de arma é garantido constitucionalmente, discutem seriamente a revisão de tal permissão.