Se existe uma área da sociedade que nessa primeira década e meia do novo século vem sofrendo mais alterações certamente essa é a área das relações familiares. Quando o já não tão novo Código Civil entrou em vigor, em janeiro de 2003, a grande mudança que se podia apontar era sobre o reconhecimento da União Estável e seus desdobramentos na partilha de bens. Houve certa crítica, é fato, pela não previsão do casamento ou da união civil homossexual, mas tal crítica era, há pouco mais de 10 anos, bastante pequena.
Hoje, já não se pode falar que o Código Civil, ou mesmo a Lei de Registros Públicos, esta datada de 1973, sejam capazes de regulamentar as diversas formas de relações sociais que se apresentam. O primeiro, e talvez o menor dos desafios, seja o reconhecimento legal do casamento homoafetivo. Não pense o leitor que esse autor esteja ultrapassado, já que são comuns hoje as notícias de celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Explico-me: embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido o direito dos homossexuais à União Estável, bem como sua conversão ao casamento, ou mesmo a celebração direta do casamento, fato é que, segundo a letra da lei, mais especificamente os artigos 1.541, 1.517, 1.565 e 1.723 do Código Civil, e art. 226, §3º e §5º, da Constituição Federal, o casamento e a união estável ainda são restritos a “homem e mulher”. Dessa forma, ainda que exista o reconhecimento judicial, não se pode falar em previsão legal para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, que depende de reforma na Constituição Federal e no Código Civil.
Porém, como já antecipado, esse é o hoje o menor dos problemas. Eclodiu na última década o entendimento, até há pouco impensável, das famílias multiparentais, ou seja, filhos como mais de 2 pais, ou com dois ascendentes diretos do mesmo sexo, ou ainda registrados apenas com a filiação paterna, dentre outras. Tais hipóteses, desprovidas de previsão legal, carregam consigo profundas implicações, tais como: direito de guarda, investigação ou negativa de paternidade, direito sucessório...
Assim, suponhamos que dois homens que mantenham relações afetivas entre si e uma mulher, sem qualquer relação com aqueles, decidam gerar um filho. Pois bem, os homens doam material genético a ser utilizado para fecundar óvulos retirados da mulher e, sem se determinar de quem é o espermatozóide que fecundou o óvulo, é gerada uma criança, que vem a ser registrada em nome dos três. A primeira questão refere-se à guarda: caberá ela aos pais ou à mãe? A quem caberá eventual obrigação alimentar? Como se regula o direito de visitas? Pior, suponhamos, ainda, que a relação entre os dois pais termine, e que um deles resolva reivindicar a paternidade exclusiva, ou pior, que um deles queira negar a paternidade, qual o caminho que deve o Juiz seguir, considerando que, realizado o exame de DNA um deles realmente não é o pai biológico?
Portanto, urge que o legislativo desamarre os nós ideológicos que impedem o aperfeiçoamento das normas e, de forma objetiva, atue evitando a ampliação das omissões legais, lembrando que não cabe à lei prever o futuro, mas é obrigação dela regular as situações existentes na sociedade.